Do preconceito e da receptividade
Repetindo o que escrevi em uma outra postagem, encontrei uma Ucrânia diferente. Havia um forte sentimento de mostrar o que era a Ucrânia. Imagina que cheguei à Kiev com a ideia de aprender, pelo menos, um pouco de russo, e a frase que mais escutei foi: por que não Ucraniano?
O comércio de rua, dominado pelas matriuscas, fora substituído pelos souvenirs com pinturas sobre uma família típica, e pelas camisas com o bordado ucraniano. A arte de rua representava bem esse momento de discussão do território e da cultura. Não era raro encontrar homens com a farda camuflada pelas ruas e festas. Meu irmão é militar e esse fato me chamou atenção. Imaginei o que ele diria se visse tal cena. Era algo parecido com: "Eles não têm respeito à farda?! Indo à esbórnia com algo que deve ser usado para a defesa do país.".
Segundo alguns amigos, o uso da farda representa um grande orgulho para os voluntários (sim, voluntários). Gostavam de mostrar que eram voluntários servindo ao país em qualquer lugar. Momentos diferentes, visões diferentes.
Senti uma enorme diferença no comportamento da população de um ano para o outro. Não sei se a discussão sobre a identidade ucraniana aflorou o espírito racista de alguns. Passei por diversas situações em Kiev. No ano passado relatei que os olhares racistas eram das senhorinhas, Por incrível que pareça, dessa vez o olhar de nojo vinha das adolescentes. E, como isso me assustou, Uma coisa que aprendi durante a viagem é que a gente sabe quando é racismo, a gente sente.
Eu levei um tempo para perceber os alunos racistas dentro da MyWay. Até porque sempre associei a galera ligada às artes como a mais cabeça aberta. À cabeça me vem duas cenas que ocorreram na mesma semana. A primeira foi com uma garota que deveria ter no máximo uns 17 anos, me lembro que a tinha visto durante uma aula de hip hop. Ao esbarrar com a mesma no banheiro, tentei puxar assunto para dizer que ela dançava muito, e ela me olhou de cima abaixo com absoluta cara de nojo. O que para mim era uma tremenda contradição: ela dançava hip hop... HIP HOP!
O outro caso aconteceu durante um dia. As aulas da Miss Diva Lee sempre são lotadas, e vi uma pessoa sair do meu lado e ir para a ponta da sala. Pensei na hora ter quase esbarrado na pessoa, e por isso que a pessoa teria saído do meu lado. Em um dos momentos que olhei para o espelho durante a aula, percebi que a pessoa me olhava com cara de ódio. Só que a pessoa resolveu fazer quase todas as aulas que eu faria naquele dia, e eu só me manquei que realmente a pessoa se incomodava com a minha existência durante a aula do Dima. O olhar de ódio continuava na minha direção, mas após o Dima brincar comigo durante a aula, assim que o Dima virou as costas para trocar a música, ela saiu furiosa. O Dima não percebeu. Aliás, só eu percebi.
Quando me vi em tais situações, entrei em choque e pensava em fugir. Porque, logo eu que sempre incentivei à denúncia de casos de racismo, me vi como alvo de racismo. A população brasileira é mestiça, e racismo é crime, e toda vez que um caso chega à imprensa, diversos debates ocorrem. Não vi debates sobre o tema na Ucrânia, e considerando o aumento dos universitários estrangeiros, é um debate que precisa ser feito. Antes que a cara de ódio se transforme em agressão.
Me questionei se voltaria à Ucrânia depois de passar por isso. Pensando pelos racistas, nunca mais colocaria os pés no país. Mas, graças a Deus há mais pessoas boas do que doentes. São essas que me deixam com vontade de voltar, São pessoas que dividiram seu tempo comigo, me apresentaram as cidades pelas quais passei, me contaram histórias, me permitiram amizades, conversas, treinos, gargalhadas, dancinhas esquisitas e cantoria desafinada. Alguns que não sabiam nenhuma palavra fora do ucraniano, mas que sempre arrumava um jeito para conversarmos. Ou aqueles que sempre estavam dispostos a um abraço (a carioca carente agradece). Por esses eu voltaria sempre!
O que os racistas me mostraram é que eu amo o que sou, Lembro que durante a minha adolescência falava que queria ter os olhos claros. Hoje eu sei que os castanhos me identificam muito mais. Amo os cabelos ondulados castanhos. Amo o corpo que eu tenho, a pele que eu tenho (embora curtiria ser mulata), porque representam a miscigenação. No meu sangue há uma mistura de brancos, índios e negros, e eu não tenho vergonha disso, porque essa sou eu!
E, é isso! Fui!





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