Pouco importa


Um amigo gringo esteve no Rio por dois meses para realizar o sonho de morar de frente para a praia. Ouvir as impressões que ele teve sobre o Brasil me fez pensar no discurso que sempre vendemos para nós mesmos e para os amigos.

"Não vá ali!" "Não ande na rua tal." "Não vá por ali porque há pivetes, e eles vão te assaltar!"

Stas me disse que as pessoas mais ricas em algumas cidades vivem em prisões. E é verdade! As pessoas se entregam ao que a indústria vende: você precisa se proteger dos assaltos, dos furtos, sequestros, etc. Daí você vê tantas grades, câmeras, cercas elétricas (quando criança era muro com cacos de vidro), seguranças, agressões a moradores de rua. O problema é ver a necessidade de cercos como algo normal.

Manchetes são vendidas como o moleque negro e pobre tentou o modo mais fácil de ganhar a vida. Quando alguns levantaram a bandeira de que os pivetes das cidades foram esquecidos pelo Estado (sendo assim,vítimas da sociedade), rolou um texto que o cara criou sobre um moleque pobre que sendo bom e correto, ao ler as notícias de que os que roubam são vítimas, ele se convencia a ser um bandido porque não valia ser bom. E, pára para pensar quantas vezes escutamos e falamos que as rua e favelas são fábricas de marginais? Quantas vezes?

Agora pensa quantas vezes você se preocupou se aquela mesma galera que você tem medo tem família, tem teto para os dias de chuva, tem cobertor para além da roupa surrada, tem alguém que fale normalmente com eles sem ecoar som de cacetetes. Acho que nenhuma, ou talvez uma... perto do Natal. Talvez você tenha juntado algumas peças que estavam velhas, e entregou a alguém que faria a entrega. Nada contra o seu gesto, mas eu questiono quantas vezes você se dispôs a ver a realidade do outro. Porque somos doutrinados a olhar apenas o próprio umbigo.

Um pouco antes de estudar na UFRJ,  a discussão sobre as cotas começaram. Quando passei no vestibular (era no método antigo, 3 domingos de provas), escutei de outros alunos do meu curso de graduação que os negros querem isso e aquilo, e que culpa "ele" tinha de ter estudado e passado no vestibular. Não vemos a educação como direito de todos, apenas individual. Tanto que ao ler notícias de desvio do dinheiro da educação básica,pouco nos importamos. Aquela pessoa não conseguiu a vaga porque não se esforçou, enquanto deveríamos nos questionar se não nos omitimos  a retirada da melhoria da vida de jovens.e com isso a do país. Falamos que o país é atrasado, e comparamos com países como a Coreia do Sul (onde houve uma revolução na educação para a população), e não sabemos se somos a favor ou contra à ocupação das escolas por alunos. Acreditamos na propaganda de algumas gestões que divulgam o lindo sorriso das crianças nas escolas, sendo que não houve distribuição de uniformes, e volta e meia as crianças recebem lanche no lugar de almoço.

Alguns programas de Tv, alguns jornais impressos e digitais se pudessem ser torcidos só respingariam sangue e violência. Isso dá audiência que vende tempo para os comerciais, e assim produtos para você se sentir mais protegido, sem pensar no outro que nem você e nem a imprensa tentaram em algum momento conhecer. Aliás, você só associa à cor e à região que a pessoa vive. Tanto que segura a bolsa quando passa um negro mal vestido. Tanto que acha normal a polícia parar um carro na blitz pelo motorista ser negro. Tanto que segue a vida quando vê a PM do Rio tirar do ônibus e revistar a molecada sentada nos últimos bancos, sendo que não havia nada suspeito, nem bagunça. Não dói nem quando você lê que isso acontece desde a época do Brasil colônia. Algumas músicas valem ser ouvidas para pensar um pouco na realidade que você não passa.

https://www.youtube.com/watch?v=lTKq4c7DQ4g

https://www.youtube.com/watch?v=rn-E3UwYTjQ

https://www.youtube.com/watch?v=d4LiLF8JV1U

https://www.youtube.com/watch?v=x_Tq34rysAc

Já conversei com alguns amigos que a coisa mais importante da Biblioteca Parque era de permitir que esta cumprisse o seu papel de dar acesso a todos. Me lembrei de quanto entrei lá após a reforma. Conheci a biblioteca quando ela era sem graça, um monte de estantes com livros, só que sem vida. Me lembro de que foi o Laerte que me fez andar da Praça Mauá até lá naquele calor gostoso carioca. Me lembro da minha cara ao olhar como estava bonito e com muita vida. Vi gente que com certeza seria expulsa de qualquer frente de loja sentada assistindo aos vídeos que eles poderiam escolher, vi alguns passeando pelas estantes. Me lembro do Laerte falando que ficava feliz que aquele espaço ficava perto da Central e não em Copacabana, porque permitia que aquelas pessoas tivessem acesso, e não fossem expulsas para que os turistas pudessem visitar. A imagem daquela biblioteca ficou na minha cabeça porque senti que ali era um espaço que cumpria o seu papel para todos e não para alguns.

Eu tenho amigos que se dizem contra a redução da maioridade penal, que falam das injustiças sociais, mas... que não conseguem se imaginar andando pelo subúrbio do Rio (aliás, nem sabem o nome de qualquer bairro suburbano) porque acreditam que são lugares de pessoas violentas. Eu sou da Ilha, meus amigos e minhas andanças são pelo subúrbio. E você quando deixou seu carro em casa e foi conhecer de verdade o outro lado?

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