Eu sou do Rio

Confesso que me dá uma tristeza quando vejo gente compartilhando texto sobre o tal jeito carioca de ser que se resume às praias da Zona Sul, conta de cerveja na barraca de num sei quem, e futvôlei de final de tarde. Nunca vi a Zona Sul como representação do jeito carioca. De verdade!

Eu sou do Rio. Eu sou da Ilha! Que é meio subúrbio, meio à parte de outras zonas. Toda característica que eu vejo e falo que é do carioca tem mais a ver com a área mais simples da cidade. Amizade na fila do mercado, da padaria (esperando o pingado e o pão francês com manteiga). De dar comida, roupa e cobertor a morador de rua. De rir de problemas e de político passando em carreata um dia antes das eleições. De um otimismo de dias melhores. Das crianças correndo atrás de pipa, e de ver balões subindo em dias festivos.

Sou da época dos comerciais toscos da Casas da Banha (CB), do Três Poderes, do Serra e Mar e do Paes Mendonça. Os supermercados funcionavam até às 18 horas, 19 só às sextas e sábados, e domingo era dia de lojas fechadas. Funcionar até 20 horas, só na semana do Natal. Confesso que hoje acho falta de respeito tantos supermercados funcionando até às 22 horas no domingo. Facilita a minha vida, mas eu me pergunto quando o funcionário curte a dele?

Sou da época das notícias de chacinas como a da Candelária e a de Vigário Geral. Você talvez não saiba ou tenha esquecido. Eu era criança e não entendia porque atitudes tão carniceiras o ser humano é capaz. Sou da época dos meninos de rua cheirarem cola de sapateiro. Me lembro de uma criança perdida nos efeitos... eu tava no início da minha adolescência, e ver aquilo me doeu muito, porque não tinha ninguém para orientá-lo na vida. Será que ele ainda tá vivo?

Sou da época da Flumitrens. Portas abertas e calor infernal. Porém, para a imprensa, a notícia era dos surfistas de trem (a letra W Brasil não é futurista, não!). Esse tipo de notícia espero que continue no passado. Sou da época de correr atrás de doce de Cosme e Damião (que bem que esse hábito voltou). De ver, nas ruas, muitas pessoas de branco às sextas-feiras. De andar em muitas ruas de pedra sabão. De atravessar (morrendo de medo) ponte de valão. De mergulhar na praia lotada da Freguesia (vulgo Guanabara) quando ainda não sabia dos perigos da poluição. Hoje a baía raramente sabe o que é banhista.

Sou da época de pegar alagamento na Avenida Brasil (não mudou muito!). De passar "abaixo-assinado" pedindo novo hospital (mas, não queríamos ficar sem a maternidade do Paulino). De cantar os sambas do ano... e saber que até hoje conhecem os da União. De ouvir que samba não era cultura de quem se dizia inteligente (certeza de que não aprendeu metade do que aprendi da nossa História com os desfiles). Sou da época de mofar nos pontos de ônibus que tinham estruturas de concreto (restaram alguns poucos na Ilha). De pegar o CTC, que tinha melhores condições que todos os da Paranapuan.

Sou da época da cidade imunda. Se você acha a Central suja, é porque você não a frequentava tempos atrás. Se tem um serviço que funciona no Rio é o da Comlurb. Por isso fico triste quando vejo gente desprezando o trabalho dos garis e das margaridas. Falam que quem não estuda vira gari. Eu sempre imagino como seria o trabalho da Comlurb se dessem uma formação adequada à equipe porque eles vão além do sorriso do Renato. Eles são além da estética das ruas. O trabalho deles tem muito a ver com a saúde da população (que muitas vezes não ajuda).

Sou da época da explosão da Ilha do Boqueirão. Apesar de ficar ao lado da Ilha que eu moro, no dia seguinte tinham reportagens com moradores da Urca e de Icaraí (eh... em Niterói) assustados com o tremor. As pontes fechadas? Não... não mereceram destaque. Como os insulanos ficaram? Insulanos? Ilha do Governador? Não se importaram mesmo com os daqui.

Sou da época de salas de aula lotadas e risco de ficarem ainda mais lotadas durante o governo Rosinha. De não ter todas as disciplinas porque não chamavam os professores que passaram no concurso. De comer lanche industrializado quando adolescente (na de criança a minha mãe não deixava entrar na lancheira). De ouvir (e às vezes saber de cor) a fala do vendedor ambulante. Aliás, sei até hoje! Eles salvam todos nos busões e trens da vida.

Apesar de ser dessa época, eu sou otimista! Acredite! Sei que a melhoria da cidade não virá de um santo, embora hajam políticos que gostam de se pintar e vender desse jeito. E os políticos não são de todo mal. Até os piores colocam algumas boas ideias em prática. O problema é que ainda olhamos para os políticos como "salvadores". Se você puxar na memória, os vídeos das campanhas sempre colocam como a pessoa PER-FEI-TA. Sendo que deveríamos lembrar que políticos não passam de gestores públicos e legisladores. Nossos funcionários!

Sou da época que perguntavam pós debates políticos quem tinha vencido os mesmos. De escutar, nesses debates, de TODOS os candidatos que despoluiriam a Baía de Guanabara. Até hoje ela espera a vergonha na cara desses. Sou da época de passar meses sem andar na Linha Vermelha por conta de um incêndio que destruiu parte da via.  De escutar que teria uma linha de metrô do Aeroporto para a Barra. Construíram o BRT no lugar. 

Muita coisa já melhorou (menos o PMDB continuando como maior bancada em tudo que é canto). Algumas famílias da antiga que eram garantidas nas eleições perderam o brilho. Eu sempre falo que onde há o Estado, a coisa de trocar votos por serviços de creche e atendimento básico de saúde não funciona. Porém, ainda precisamos entender o nosso lado da política. Cobrar! Cobrar alto! Cobrar de novo! Chamar imprensa! Escrever nas ouvidorias dos órgãos. Receber cartinha com insinuações de advogado de empresa de ônibus de que você é contratada para falar mal do serviço dela (como se fosse necessário isso).

Me incomoda quando vejo a disputa política como uma competição esportiva em que só o resultado importa. Falta empatia com o outro. Entender que independente de quem ganha, os escolhidos terão de cuidar da cidade. E me dá uma tristeza profunda quando, com toda facilidade de pesquisa da Internet, vocês continuam divulgando boatos, sem ao menos dar uma lida no histórico dos candidatos, ou uma olhada no plano de governo dos mesmos.

É sério! Eu sou otimista! Não acho tudo lindo e perfeito como alguns já pintaram que seria a cidade. Só que eu sei que a gente tem de cobrar os eleitos. Faz mais efeito do que só compartilhar notícia do "EU já sabia!" ou desgraças (tem gente que se torcer a linha do tempo só escorrerá sangue). Você tem os órgãos, as ruas e o voto. E isso anda junto. O dever não acaba só com o voto. Político não é Deus! Juiz também não é! E lembre-se que a área que você mora não é mais importante que a do outro. Aliás, você não pode aceitar que algumas vidas valham mais que outras, que bairros sejam esquecidos. A cidade só será melhor quando for boa para todos! E é por isso que você tem de cobrar e brigar.

Antes de reclamar do outro, abrace, escute o argumento. Gritar que tá errado sem ouvir não resolve em nada na vida. As áreas de lazer não podem ser limitadas a alguns pontos da cidade. E antes de esbravejar que não há nada cultural no Rio... shhh! Tem muita coisa... e digo muita coisa de graça. "mas, o povão não vai!". Por que em vez de repetir essa fala, você não ajuda a divulgar as atividades?

O Rio é bem mais que praia. E, se for comer feijoada coma na Zona Norte ou em alguns poucos lugares do Centro. E antes falar que carnaval é mulher pelada, vá a um ensaio ou disputa de samba na escola. Quando associar as oferendas em esquinas de ruas a coisas ruins, lembre-se que você sempre reverencia às culturas orientais como lindas e de amor. O Rio é um mar de gente diferente que divide o mesmo espaço. Precisa de mais amor que nem eu me lembro da época de criança aqui na Ilha e no Subúrbio. Embaixo deste céu lindo... já conheceu o próximo que não mora no teu bairro, ou não vota no mesmo político que você?


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2 comentários:

Diego Silva disse...

eu falo que Rio de verdade é zona oeste e zona norte mas tem muita gente com quem eu convivo que se incomoda com isso. ja se acostumaram com a ideia de que aqui é o resto. eu falo que as áreas ricas são so imitação de outros países pra agradar turista mas ja estão acostumados a ver o que vem de fora como bom e o daqui como ruim. Ja me acostumei a não me importar com isso, são eles que deixam de conhecer a própria cidade e sua própria cultura.

Tatiana Maria disse...

Exatamente! São eles que deixam de conhecer o Rio de verdade.

Enquanto um pedaço de mim é feito de carne e lógica, o outro possui emoções que às vezes necessitam de um meio, de uma porta-voz. E assim, e aqui as expresso...