Laço feito de chuva
A primeira vez que o vi, não tenho certeza do dia ou do mês, mas acho que era uma quarta. Vi aqueles dreads, nunca tinha visto outros tão bonitos. Foi isso e mais esbarrões pelos corredores e às vezes pelo Centro. E não passavam disso. Minha atenção estava para outro.
De tantos esbarrões, acabamos por gravar a cara um do outro. Até que um evento pelo Centro e uma ajudinha das redes sociais trocamos contato. Estava abafado pelo Centro, e ele passou a falar muito pelas redes. E como já tinha me frustrado no interesse anterior, levei tempo para dar crédito a ele. Só que aproveitei que queria ir a uma exposição e o chamei. Acho que ele pensou que era conversa, mas fomos juntos.
Uma coisa que descobri dele é que tinha a tendência de modificar meus planos. "Vou esperar um mês para pensar em ir à casa dele". E no terceiro encontro dormi por lá. Não vou me envolver. Vou deixar rolar e ver no que dá. E senti ciúmes. Raridade aqui para mim. Logo eu muralha, bruta. Me vi mexida, remexida e intensa. Ainda me questiono se algum momento antes passei por sensações parecidas.
Desde o primeiro dia, toda vez que realmente ficávamos só nós, o tempo virava e a chuva se fazia presente. Eu percebi isso quando ele decidiu encerrar a história. Talvez porque eu seja terra e ar, e ele seja fogo, a água queria brincar com essa combinação doida. Ou talvez um motivo para ficarmos mais tempo juntos. Como preguiça boa de domingo. Para que olhar se faz dia lá fora?
Feitos de fogo. Não! Faíscas, que juntas principiavam os
incêndios das nossas incertezas, vontades, gritos. Sempre me achei pedra,
folhas e terra. Blindei, armei para sempre correr quando algo aparecia para me
tirar a certeza do chão. Gosto de segurança, confesso! Você já via de longe que
era agito, fogo. Só que a segurança que me confortava nunca me fez sair do lugar, ou de me enxergar fazendo outras coisas.
Achei que carregava baldes, bacias para afastar, distanciar
sua margem da minha. Mas... ele foi tomando lugar, espaço. Notou que sempre
nossos encontros mais próximos, intensos, acabavam virando o tempo? Eu me
apaixonei. Posso falar por mim. Queria chuva na cabeça para apagar meu fogo por
ele. Tem conforto, fogo, vontade no corpo. Me sinto à vontade. Não tem tabu. E a respiração junta no abraço.
Parece vício. Sério. De verdade. Quando é que isso pára?
Quando cessa? Quando? Como me afastar? Como? Só sinto o corpo, as emoções e o
choro indo e vindo como ondas da baía. Parece que fui expulsa do rio que me
permiti entrar. Será que essas são as tais relações líquidas?
Como fazer se sou feita de barro, pedra e folhas? Cadê meu
pássaro se debatendo e se debandando para outro lugar? Sou carne, ossos e
pêlos. Quero só um abraço. E olhar tudo que é popular sem querer estar agarrada
a ele. Só ver, lembrar, mas sem ser ausência. Só uma lembrança boa. Será que
consigo? Quanto tempo leva para ver as outras margens do mundo? E rever e
reaver a minha? Todas as festas são festas e eu queria voltar a dançar por mim.
Um abismo chama o outro. Eu chamei o dele pensando que fosse
espelho dos meus cabelos ao vento.
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